Pelada, nua com a mão no bolso

Adriana Ferrareto - Edição #009

Pelada, nua com a mão no bolso

Imaginem como me senti durante a entrevista de emprego

Entrevista de emprego

Eu tinha vinte e poucos anos. Me preparei para essa entrevista de emprego com dedicação. Jovem, cheia de sonhos, sem grana e querendo me estabelecer profissionalmente.

A vaga era para propagandista vendedor(a) na indústria farmacêutica. O laboratório era pequeno, mas uma possibilidade de entrada nessa industria tão gigante.

O teste envolvia decorar várias bulas de remédios, daquelas de longas páginas, com termos ainda desconhecidos para mim.

Me arrumei com “roupa de fazer entrevista”, me enchi de coragem, peguei o metrô em São Paulo e fui concorrer a essa vaga.

Até aqui, tudo certo. Cheguei no local e vários homens e mulheres já estavam a espera para serem entrevistados.

Um a um fomos seguindo a fila do suplício, com aquelas caras assustadas, as mãos soando, nervosismo na fala e o coração num batuque acelerado.

Até que o gerente que era um homem baixo, grisalho, de uns 60 anos aproximadamente, vestindo terno e uma gravata de gosto duvidoso, começou a fazer considerações de cada candidato, ali no meio de todo mundo.

Comentários jocosos, tom de voz aumentado, sarcasmo, piadinhas sem graça, revestido de seu poder e autoridade.

Chegou a minha vez:

“Você deveria trabalhar vendendo maquiagem, com esse batom rosinha combinando com o esmalte. Você toda delicada, feminina, não serve para essa área não. Pode tirar seu cavalinho da chuva minha filha”.

Como eu fiquei? Você deve estar se perguntando. Congelada, atônita, envergonhada, confusa. Me senti pelada, nua com a mão no bolso bem a La Ultraje a rigor. Se você não conhece ou não lembra dessa música, aqui está.

“Bom, pode ir para a segunda sala a direita e me espere lá”.

Fiquei pensando o que mais iria acontecer naquele teatro de horrores, fiquei esperando o famigerado “gerente” acabar de me espinafrar para eu pegar o rumo de casa e ir embora.

“Muito bem mocinha da maquiagem, toda fru-fru, você foi contratada”

Como assim, depois de toda aquela cena, eu havia sido a escolhida? Ele continuou dizendo:

“Fiz esse teste com você para sentir se aguenta o tranco de falar com os médicos. Sim, eles vão pegar pesado com você, precisava saber se ia dar conta ou não. Faço desse jeito a vida toda, sou experiente em entrevistar pessoas. Agora é só passar no RH para arrumar seus documentos e já pode começar a trabalhar conosco”.

E adivinhem, eu aceite! Precisava muito do emprego e tinha de começar por algum lugar, era o que eu tinha para o momento.

Corri sobre as brasas igual o Papa Léguas

A história se repete

Tantos anos depois, olho para esse tipo de evento com um misto de emoções. Em parte, gratidão por ter a chance de começar minha trajetória profissional na indústria farmacêutica, mas uma outra parte gera reflexões sobre como as pessoas se comportam nas empresas de maneira tão tosca, isso inclui os que estão nos cargos de liderança.

Muitas outras situações ao longo dos anos, com outros gestores, em outras empresas, foram aparecendo. Vou contar apenas alguma situações que novamente me senti atordoada:

  • Durante um treinamento que participei em um hotel na praia, um gestor fez a mim e todo o time, andarmos na areia fofa em fila indiana, para ver se a gente aprendia mais rápido o que ele desejava. Detalhe que estávamos de roupa social, calçados, com areia até os olhos. Todo mundo na praia olhando ao redor observando a cena, sem entender nada daquela situação patética. E o gestor? Ah ele ria da nossa cara.

  • Participei de um programa de desenvolvimento com dezenas de pessoas, em que devíamos fazer um grande círculo e todos com uma placa de madeira nas mãos, tinham de dar um caratê na placa para quebrá-la ao meio. Quebrar a placa era uma evidência de quebra de crenças. Bom, crenças eu não sei, eu quebrei mesmo foi o punho…

  • Ainda outra vez tive de caminhar sobre as brasas por alguns metros. O gestor estava do outro lado me esperando, com uma cara de “vai vir o não, sua fracote?”. Se eu conseguisse caminhar sobre as brasas demonstraria, na opinião deles, minha resiliência e força de superação. Passei sobre as brasas tipo o personagem do desenho animado Papa-Léguas, cheguei toda chamuscada do outro lado, com bolhas nos pés, e o gestor disse: Yes, você conseguiu, viu só?

Desnudando esse tipo de comportamento

Diante desses e de outros inúmeros casos que presenciei, percebi que essas pessoas (líderes) eram inteligentes, tinham bons resultado. Com certeza, cada um deles tinha seus talentos natos, isso não posso negar.

Cadastre-se para continuar lendo

Meu conteúdo é 100% gratuito. Você só precisa cadastrar e confirmar seu email para desbloquear todas as publicações.

I consent to receive newsletters via email. Terms of Use and Privacy Policy.

Already a subscriber?Sign In.Not now

Reply

or to participate.