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Empatia: Você não entende um homem até caminhar com seus sapatos
Adriana Ferrareto - Edição #003
Quando foi a última vez que alguém demonstrou empatia com você?
Como foi? Você estava passando por uma situação específica, contou para alguém e essa pessoa na busca de ser empática fez algumas dessas coisas:
essa pessoa te julgou;
disse que no seu lugar teria feito isso ou aquilo;
se era alguém próximo, tentou “resolver” a questão por você;
te disse: sinto muito, mas ainda bem que foi “só isso”, afinal algo muito pior poderia ter acontecido";
te deu um abraço e apenas te escutou ativamente.
Acrescente a essa lista tudo o mais que já fizeram com você nesses momentos que precisou da empatia do outro.
Acredito até que a maioria das pessoas é bem intencionada quando tenta nos acolher.
Mas a forma como fazem, como se estivesse segurando uma batata quente nas mãos. Grave isso, pois vou falar dessa batata logo adiante.
Empatia não é um assunto simples, e temos provas cabais olhando para nosso entorno do quanto falta empatia no mundo. Mesmo essa desajeitada já seria um começo.
Quase não se ensina isso nas escolas, nas famílias, cada uma tem “seu jeito” de explicar o que é empatia ou nem sequer tocar no tema.
Nas empresas é bastante difícil encontrar pessoas, principalmente em cargos de liderança, com empatia.
Mas aqui nesse espaço da news, nossa intenção é melhorarmos um pouco mais, um tiquinho de cada vez, com constância e aumentando a percepção sobre os temas que cercam nossas vidas.
E falarmos sobre a empatia e suas facetas, é algo que considero muito necessário.
Museu da Empatia
Uma artista quando se deparou com a frase: “Você não entende um homem até caminhar com seus sapatos”, cuja expressão em inglês é "to walk a mile in someone’s shoes”, resolveu transformar isso em arte e “ensinar empatia” com o Museu da Empatia.
Essa exposição ocorreu em Sâo Paulo no ano de 2022, e tinha uma grande caixa de sapatos em que as pessoas pudessem adentrar, e lá haviam várias caixas de sapatos com calçados dentro.
A pessoa escolhia um sapato, calçava e colocava um fone de ouvido enquanto andava pelo espaço ouvindo a história do dono daquele calçado.
Visualize-se colocando-se no lugar de um imigrante e, ao caminhar com seus sapatos, ouça a intensa história de adversidades, abusos e desafios que ele enfrentou para alcançar o novo país.
Fotos Filipa Porto
Infelizmente eu não pude ir a essa exposição, mas achei muito relevante para trazer a tona, o tamanho da importância de olharmos para o outro a partir da perspectiva dele, o que não é nada fácil.
Metaforicamente, calçar os sapatos de alguém, significa se colocar-se no lugar do outro.
Ensinando médicos a serem empáticos
Certa vez eu li (e infelizmente não encontrei a referência) que em uma universidade para os alunos de medicina, em especial os que se especializavam em geriatria, tinham de usar um tipo de kit idoso por um período do dia.
A ideia é que vivenciassem a experiência do que é ser um idoso com problemas de saúde.
Para replicar a experiência do envelhecimento, eles colocaram feijões nos pés para simular esporões e usaram protetores auriculares para reduzir a audição.
Além disso, utilizaram óculos com lentes propositalmente embaçadas para replicar a visão comprometida pela catarata.
Adicionaram ainda restrições em algumas articulações, dificultando a realização de tarefas básicas como se sentar, levantar e ir ao banheiro.
Passar por todo esse desconforto, era o equivalente a calçar o sapato do outro, ampliar o olhar para escutar com empatia os seus futuros pacientes.
Isso mostra que podemos aprender a ser empáticos em maior ou menor escala, a depender da pessoa.
Alguns naturalmente assimilarão essa experiência e com muita facilidade se colocarão no lugar no outro.
Outras pessoas terão mais dificuldade.
Que tal calçar seus próprios sapatos primeiro?
Brene Brown é uma grande estudiosa do tema empatia. Escreveu alguns livros, dentre eles destaco: A coragem de ser imperfeito; A coragem de ser você mesmo.
Seus estudos são sobre vulnerabilidade e a coragem de lidarmos com as nossas emoções, tanto as boas como as difíceis, de uma maneira mais honesta.
Isso tem tudo a ver com empatia.
Mas ela lembra que que empatia é diferente de simpatia.
Segundo Brené Brown quatro qualidades são necessárias para se ter empatia:
capacidade de assumir a perspectiva da outra pessoa
de afastar-se do julgamento
de reconhecer a emoção nos outros
e de comunicar essa emoção
Vamos lá! É sua vez de ser empático consigo. Calce seus próprios sapatos.
Imagine a seguinte cena: você sentado à mesa convida as emoções como medo, raiva, tristeza, vergonha, para sentarem com você.
É um papo difícil, que a maioria das pessoas não está disposta a ter.
Requer coragem escutar suas emoções, percebendo que elas existem sim, dando nome e lugar a elas, e se perceber falível, incompleto, vulnerável e começar a lidar com isso, com gentileza e a tal da empatia.
Posso afirmar que não é fácil, mas a empatia nasce desse lugar em que sabemos cuidar da gente, para podermos então nos colocar no lugar do outro.
Lembra-se de no início do texto eu ter perguntado sobre experiências passadas em que tentaram demonstrar empatia para com você?
Pois então, quando sentamos à mesa com essas emoções para lidar com o assunto difícil, tendemos a nos julgar, criticar, sentirmos culpa, vergonha e medo.
De certa forma, fazemos conosco o mesmo que criticamos quando vindo de outra pessoa.
Esse jeito de se olhar sem empatia, gera culpa e vergonha.
Brené Brown apresenta de forma intrigante um exemplo que destaca a diferença entre culpa e vergonha.
Digamos que você fez algo errado no trabalho, esqueceu de avisar um detalhe importante de um projeto e isso atrapalhou seu time na hora de decidir.
Você esqueceu algo importante e sente culpa por isso. “Puxa vida, isso não poderia ter acontecido. Por conta disso, estou tendo de lidar com as consequências”.
Agora veja a diferença quando a pessoa sente vergonha: “Eu não faço nada certo mesmo, sou incapaz de assumir um projeto e terminá-lo com êxito”.
Quando uma pessoa se sente constrangida consigo mesma, fará o possível para esconder esse sentimento, tanto de si mesma — evitando refletir sobre tais questões — quanto dos outros.
Ela se fecha em uma couraça, como proteção.
Não é intencional, na maioria das vezes nem se percebe que faz isso.
Mas ocorre que por não sabermos lidar com nossas próprias emoções com empatia, iremos olhar para o problema do outro com uma carga emocional gigante.
Por essa razão, quando ouvimos alguém descrever um problema, nós nos deparamos com uma situação desafiadora (aqui está ela outra vez, a batata quente) e continuamos a lidar com ela até que se torne insuportável, ou escolhemos descartá-la.
Minha história com a empatia parece uma gangorra
Eu “lido” com esse tema da empatia desde que faço terapia, e isso já passa de 20 anos. Como eu disse antes, é a busca de sermos melhores, mesmo que um tiquinho por vez.
Por muito tempo, literalmente sofri por aquilo que eu mesma chamava de excesso de empatia.
Hoje entendo como imaturidade emocional e precisei de fato, entender a “anatomia” da empatia, para eu não ficar o tempo todo nessa gangorra emocional.
E de tanto lidar com o assunto que vai e volta revestido de novas roupagens, resolvi até escrever uma crônica sobre empatia, que faz parte de um livro que publiquei em 2018 — Vou Ali e Já Volto, 40 anos no deserto:
Empatia
“Quando ouço outra pessoa contar suas questões mais profundas, algo mágico acontece comigo, de maneira que todos os meus sentidos ficam profundamente alertas.
Por alguma razão que desconheço, me conecto ao outro e sinto meu coração bater em uma frequência quase orquestrada, uma ponte se forma entre mim e a pessoa e a sua emoção passa a ser minha.
Ouço tão atentamente que consigo imaginar as cenas descritas e caminho pelos pensamentos, sentimentos e vilarejos perdidos por onde a pessoa esteve.
Percebo emoções não reveladas e pequenos gestos, olhares e comportamentos me fazem caminhar por esse mapa emocional, como uma bússola, que sempre aponta para o norte do acolhimento.
Consigo rir e até chorar junto, entendo suas razões, nem sempre concordo, mas não preciso dizer isso. O momento é de acolhimento, de estar perto. A sintonia abraça, provoca o pertencimento, o que importa é ser ouvido e isso aquieta e faz qualquer pessoa se sentir compreendida.
Ouço o outro em seu estado mais vulnerável, com uma intimidade emocional que chega a ser visceral, reveladora, daquela que desnuda a alma, mas que é necessária para a conexão.
Como em tudo, há limites, e quando, sem perceber, ultrapasso os meus, por vezes sinto que estou sem ar, com palpitação, certo formigamento nas mãos e que meus músculos estão completamente tensos.
Parece que alguém agarrou minha garganta e uma dor que não era minha passou a ser. Começo a tentar resolver tudo, fazer pelo outro, ajudar, aconselhar, proteger, sinto compaixão indevida.
Mas quanto mais faço isso, mais sufocada me sinto. O estranho é que, como estou conectada ao outro, enquanto tento resolver os problemas que são dele, além de me enredar em uma trama que não me pertence, eu o desvitalizo, invalido, como se ele não fosse capaz de resolver suas próprias questões.
Nesse momento, as pontes que nos conectam viram um incapacitante emaranhado de correntes.
E, de um lugar de profunda exaustão, paro e penso em como posso me livrar da sensação de sufoco, até que a resposta vem, calma, compassiva. Sou lembrada de que, quanto mais eu soltar da garganta do outro, mais o libero para suas decisões, mais o estimulo à ação.
Mesmo que isso machuque e seja difícil, quanto mais eu fortalecer o outro para que caminhe por suas estradas pessoais de cabeça erguida, a mão que me sufocava vai aos poucos soltando meu pescoço, dedo a dedo, e, aí, volto a respirar com facilidade.
Os grilhões se rompem, meus músculos voltam a relaxar, a frequência cardíaca está em meu compasso e não mais no do outro, e percebo que, quando sou eu mesma e deixo o outro ser ele, minha verdadeira empatia liberta, fortalece e encoraja.
Mas, quando minha empatia vai para seu escuro porão, inverto os papéis e passo a viver uma situação que não me pertence.
Por isso, depois de tanto me acorrentar, hoje amo a liberdade de empaticamente ouvir o outro sem deixar de ser eu mesma, com um distanciamento saudável, amável e libertador”.
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